Há onze anos, numa manhã de Outono, como já era habitual, fui praticar Yôga com Edgardo Caramella. Quando cheguei à
escola, situada no bairro portenho do Abasto, o meu professor
tinha uma notícia inesperada: nesse dia DeRose viria visitar-nos.
Agora? Não, à noite. Faltavam, exactamente, doze horas. Para
mim, foi uma surpresa e creio que para Edgardo também, uma
vez que nos estava a avisar em cima da hora. Ele disse-nos que
se iria concentrar para preparar uma refeição e outras coisas para
recebê-lo, e propôs-me - porque não - aproveitar o dia para criar,
treinar e apresentar uma coreografia para o nosso convidado.
Dado que eu nunca tinha apresentado (nem criado, nem
treinado) uma coreografia de SwáSthya Yôga, até aquele
momento, a proposta era, então, um grande desafio. Por sorte,
um aluno mais antigo – na realidade um instrutor acabado de se
formar – chegou, mais ou menos, naquele momento da conversa
e propôs-se a ajudar-me. Aceitei a ajuda. Luciano e eu corremos
para a sala de prática, desarrumámos a coleção de CDs do
Edgardo, para podermos ver todas as capas e começar a procurar
uma música adequada para a minha primeira coreografia. Não
sei quanto tempo demorámos, mas ainda era de manhã quando
encontrámos uma música de percursão que ambos conhecíamos
de algum filme daquela época. O primeiro passo estava dado.
Durante a tarde, fui reunindo ásanas (técnicas corporais do Yôga
Antigo) para os combinar, de acordo com as minhas
possibilidades criativas. As coreografias, normalmente, também
levam mudrás (gestos feitos com as mãos), mas se eu não me
engano, não coloquei nenhum, uma vez que ainda não estava
familiarizada com essa técnica. Foi uma coreografia muito
simples e não sei dizer, hoje em dia, se ficou bonita ou não. Em
pouco tempo esqueci-a e acho que, naquela noite, ninguém a
filmou… mas nesse dia treinei-a tanto quanto o tempo e a
perseverança o permitiram e foi o suficiente para impregná-la
nas minhas células. De vez em quando, Edgardo abria a porta da
sala e observava como estava a decorrer. Depois, ia-se embora,
sem dizer muito… e eu perguntava-me o que estaria ele a
pensar.
Ao entardecer, alguns pensamentos começaram a surgir-me
quando já tinha a coreografia razoavelmente pronta. Alguém que
para o meu professor era muito importante estava a chegar.
Alguém de quem eu não sabia muito, apesar de há alguns meses
a esta parte, ter vindo a escutar o Edgardo, a mencioná-lo
diariamente. Sem dar por isso, tinha vivido um dia de pújá
(retribuição de energia). Tinha passado as últimas doze horas a
preparar uma oferta para o Mestre, algo feito com a minha
matéria e com a minha energia. Em cada movimento do meu
corpo existia a firme intenção de o conhecer.
Não me lembro como decorreu o momento em que DeRose
chegou à nossa escola. Também não me lembro se aconteceu
mais alguma coisa antes das coreografias, uma vez que estava
muito concentrada no que tinha a fazer. Lembro-me do DeRose,
somente a partir do momento em que iniciei a minha
apresentação. O seu olhar intenso chamou-me a atenção, desde
que realizei o primeiro ásana da sequência, mostrando-me, de
forma clara e física, o início de uma relação humana diferente.
Após a minha apresentação, Laurita Ferro – nessa época, aluna
mais antiga, actualmente directora da Companhia SwáSthya de
Artes Cénicas– realizou a sua própria apresentação (muito mais
ensaiada e trabalhada que a minha coreografia de um dia). O
que aconteceu depois é o que eu mais recordo. Talvez, para
mim, tenha sido o momento mais importante desse dia. Quando
ambas as coreografias terminaram, DeRose dirigiu-se até
Edgardo e agradeceu-lhe, com um abraço que durou minutos.
Em seguida, veio até onde eu e a Laurita estávamos e ofereceunos,
a cada uma, uma medalha de bronze, com o símbolo do
ÔM.
Aquele momento ensinou-me o funcionamento natural da
hierarquia e a importância da atitude do discípulo para com o
Mestre, e vice-versa.
O olhar do DeRose ficou gravado na minha memória, como uma
medalha. E a medalha que me ofereceu, permaneceu no meu
pescoço, durante vários anos. Até que uma onda, numa tarde de
verão, na ilha brasileira de Florianópolis, a levou… mas isso
solucionou-se com uma medalha nova.
O olhar do DeRose, desde aquele encontro em Buenos Aires,
continua imutável em mim, sem ondas nem tormentas que
possam levá-lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário