Este blog foi montado com o intuito de retratar experiências de professores de SwáSthya Yôga que dedicam suas vidas a praticar, ensinar e difundir esta fantástica filosofia de vida.



quinta-feira, 10 de julho de 2008

A polêmica do acento na palavra Yôga



Como dá para notar, o assunto não é dos mais relevantes. Tanta coisa importante para ser discutida no mundo e Yôgins de todas as linhas digladiando-se por conta de um detalhe. Mas você verá um pequeno detalhe pode fazer toda a diferença...

A Origem da polêmica

Os primeiro textos sânscritos que chegaram ao ocidente foram trazidos pelos ingleses, os colonizadores da Índia. Por cerca de 200 anos, ocorreu um processo de choque de culturas e também de assimilação por ambos os lados. Com isso tivemos escrituras, manuais, textos mitológicos e outros foram transliterados para uma língua que não possuía acentuação.

Transliteração é o processo de representar os caracteres de um vocábulo por caracteres diferentes no correspondente vocábulo de outra língua. Concluímos assim que uma boa transliteração é aquela que consegue transpor com a maior fidelidade possível nuanças fonéticas da língua estudada, permitindo ao leigo entender e reproduzir com exatidão o som original, afinal sem isso, o único jeito seria aprender o alfabeto da língua de partida.

O sânscrito, língua morta da Índia antiga, é escrito em dêvanágari, que significa a escrita dos deuses. De origem indo-européia, o sânscrito é uma língua muito elaborada, gramaticalmente perfeita (CARDOSO, Carlos “Curso de introdução ao sânscrito”, Saquarema, 2008), possui muitos detalhes fonéticos, grande diversidade de sons característicos de idiomas antigos e um vocabulário muito vasto que aumentou ao longo de muitos anos de utilização.

Seus detalhes fonéticos, às vezes, diferem muito das línguas ocidentais. Portanto é natural que o leigo tenha um pouco mais de dificuldade para vocalizar alguns mantras ou para pronunciar alguns termos. Os falantes do português, em geral, possuem facilidade para a maioria das sílabas sânscritas, encontrando problemas, às vezes, com as letras aspiradas por conta do fenômeno do visarga (h) em namah, kapalabhati, granthi, e alguns outros casos. Os falantes do espanhol, por sua vez, se atrapalham com a pronúncia do “ya”, “yô” e pronunciam “já”, “jô”, e assim por diante. Os falantes do inglês se equivocam com os erres, que devem ser pronunciados como o erre italiano, atrapalhando-se, por exemplo, com a pronúncia das palavras Rama, mudrá, e em outras, como jay (jaya) que é por eles pronunciada como “jei”.

Temos então, um problema. Qual a forma ideal para termos preservada as características fonéticas de uma língua tão rica ao realizar a transliteração? A resposta é: usando uma rica transliteração.

De uns 10 anos para cá (1998 – 2008), com o crescimento do interesse pela prática do Yôga, tivemos uma invasão de termos sânscritos povoando a internet, revistas, matérias de jornais, nomes de estabelecimento comercias, etc. Karma, dharma, yôga, ashtánga, môksha, samádhi, kundaliní (deve ser pronunciado com o í final longo) e outras palavras já são quase de uso cotidiano. O lado bom de tudo isso é a difusão do conhecimento e a possibilidade de ampliação do pensamento e do raciocínio da cultura ocidental. Hoje, qualquer cônjuge sofre o peso de ser considerado o karma do parceiro quando faz algo que o desagrada, ou pior, você que pratica Yôga ser tachado de “zen”,
termo que virou adjetivo para qualquer um que seja considerado calmo, equilibrado, ou que faça alguma prática esdrúxula, supostamente oriental. Ser chamado de zen não é agradável, na verdade é ofensivo, pois se trata de uma gafe cultural e um desrespeito às diferenças de tantas culturas orientais totalmente distintas, como o Budismo, Yôga, Tai-Chi, Sámkhya, Vêdánta, Sikhismo e etc.

O sânscrito possuiu, para o Yôgin, uma importância mântrica muito forte. Para nós praticantes, a vibração sonora possui uma força imensa. A atuação de determinadas técnicas depende exclusivamente da boa pronúncia e de sua intenção na hora da execução. Alguns sons (mantras) vibram por ressonância nos centros de energia (chakras). Algumas palavras sânscritas vêm sendo pronunciadas por milhares de praticantes ao longo de milhares de anos e possuem na repetição uma força acumulativa poderosa. O problema é aceitarmos a utilização de uma transliteração que não transpõe de maneira correta a diferença entre fonemas curtos e longos, pode ser representado por um acento agudo, circunflexo, um macro, um til, uma nota de rodapé ou uma introdução explicativa. Os acentos são ferramentas gráficas que possuímos para enfatizarmos detalhes e filigranas fonéticas da língua, marcam também o requinte e o charme de um idioma. Resumindo: são indispensáveis para esta convenção!

Demonstração
de que a palavra Yôga tem acento

no seu original em alfabeto dêvanágarí:

As consoantes sânscritas possuem uma vogal “a” sempre presente. Temos assim o fonema “Ya” curto.

= YA



Com um traço vertical após o fonema, temos o prolongamento desse “a”, pois o traço vertical indica a presença de mais uma letra “a” temos assim “Yaa” longo.

= YAA



Ou seja, todas as vezes que queremos inserir mais uma vogal “a” colocamos um traço vertical depois (a-ki-matra). Escrever com dois “as” não está errado, afinal são duas letras mesmo, mas pode induzir o leigo a pronunciar “Ya-a”, que seria a forma errada. Por isso, utilizamos um acento agudo que indicaria uma fusão de letras iguais. O mesmo ocorre com as vogais i e í, u, e ú.

= YAA ou YA+A= Yá



logo,

= Yá



Uma coisa é certa: o fonema ficou longo já que possui mais uma vogal e como isso a pronúncia muda. O acento agudo (´) então, é a nossa forma ou convenção para indicar um fonema longo. Poderia ser qualquer outro acento desde que indicasse uma alteração no fonema original.

É comum encontramos o termo ásana grafado assim: aasana. Percebeu o problema?

Resumindo: O traço vertical alonga o fonema, alonga a pronúncia. Essas mudanças precisam ser identificadas pelo pobre leigo que está lendo sânscrito no alfabeto latino! O acento indica que a letra é longa e muda a pronúncia!

O acento da letra “o”

Vimos que para inserimos um “a” usamos um traço vertical simples. Agora vamos aprender a inserir a vogal “o”.

A vogal “o” no sânscrito é sempre longa. Ela é composta de duas letras (a+u) e por isso é um ditongo. Concluímos assim que não existe a vogal “o” curta. Ela é sempre longa (Oo) já que possui, também, duas letras.

O símbolo no dêvanágari para inserir um “o” em uma consoante é um traço vertical seguido de um traço acima do mesmo anterior. Sempre que houver um símbolo (ô-ki-matra) depois de qualquer letra, ela ganha uma vogal “o” de presente.

(símbolo que acrescenta a letra “o” em qualquer fonema);



= Ya



+ =


ou seja Ya+ô = Yô

Assim: “ya” vira “yô”, “ba” vira “bô”, “la” vira “lô” e assim por diante.

O acento circunflexo não é usado para fechar a pronúncia

Quando comecei a praticar Yôga ainda existia muita dúvida se a pronúncia era Yôga ou ióga. Atualmente quase todos os professores no Brasil, de diversas linhas, confirmam a pronúncia que DeRose já defendia há décadas: Yôga, com “o” fechado e gênero masculino. Como as letras “o” e “e” têm pronúncia sempre fechada no sânscrito, muita gente pensa que o acento serve para marcar essa característica, o que você já deve ter notado, é um erro.

Quando usamos a transliteração inglesa simplificada “Yoga” perdemos um detalhe importantíssimo que é a pronúncia correta da letra “o” longa. Parece um detalhe, mas faz toda a diferença. A nossa grafia precisa, então, de algo que identifique essa sílaba longa.
E se usarmos o acento agudo?

A princípio está certo, afinal está sendo sinalizado que a letra é longa. Mas o problema, é que a pronúncia fica errada para quem fala português. O leigo lerá Yóga com ó aberto. Um erro primário.

Completamos a palavra com o fonema “ga” e fechamos Yôga.

= Ga



e finalmente temos:


= Yôga



Simples, não é? Vamos nos esforçar para grafar e principalmente pronunciar de forma correta as palavras sânscritas. Recomendo o Cd de Sânscrito – Treinamento de Pronúncia gravado na própria Índia! Uma boa pronúncia significa uma boa prática. Agora chega de teoria, levante-se e vá fazer uma aula!


André Mafra



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