Este blog foi montado com o intuito de retratar experiências de professores de SwáSthya Yôga que dedicam suas vidas a praticar, ensinar e difundir esta fantástica filosofia de vida.



quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Mas que sentimento afinal embasa a relação entre mestre e discípulo




“Amai, amai, todo o resto não é nada.”
La Fontaine (Os Amores de Psique e de Cupido)

Vejamos como se constituem os laços entre o mestre e o discípulo.

Estudemos com atenção por quais sentimentos essa relação se fundamenta, para posteriormente tirarmos as consequências disso.

Utilizarei como ilustração um capítulo do livro Eu Me Lembro…

Escolhi esse trecho porque poeticamente nos transporta fazendo-nos compreender o tema abordado não apenas intelectualmente, mas envolvendo-nos de todo o coração.

O Velho Sábio

Certa manhã, fui tirar leite de nossa búfala, que pastava solta perto das margens do rio. Caminhando pelo campo com os pés descalços na relva molhada pelo orvalho da noite, tão absorvido estava que passei pelo animal e segui em frente. Pouco adiante, encontrei um velho sábio, sentado olhando para as águas que seguiam montanha abaixo. Cumprimentei-o e perguntei o que estava observando. O ancião me disse que estava observando seus pensamentos. Sentei ao seu lado e, como uma criança, sem nada questionar comecei a fazer o mesmo. Passaram-se várias horas e lá estávamos os dois, lado a lado, sem dizer palavra. Porém, entendendo-nos perfeitamente bem.

Até que, em dado momento, o ancião virou-se para mim e começou a falar.

- O que você observou?
- Meus pensamentos.
- Gostou?
- Sim.
- De que natureza eram?
- De todos os tipos. Pensei nas águas, obedientes, que seguem fazendo as ondas no mesmo lugar, apesar de serem sempre outras. Depois, pensei na nossa vida, que também é assim. Somo sempre outras e outras pessoas a nascer, crescer, trabalhar, casar… mas seguimos fazendo as mesmas coisas sem que ninguém nos obrigue a isso. Daí pensei nas nossas ovelhas, cabras e vacas, que também seguem fazendo as mesas coisas desde que nascem, até que morrem. E seus descendentes continuam fazendo as mesmas coisas. Qual o sentido de tudo isso?
- Você se fez essa pergunta?
- Fiz.
- E qual foi a resposta?
- Não obtive resposta, pois meu pensamento seguiu os pássaros e mudou continuamente. Mas gostei da experiência.
- Então volte amanhã e vamos contemplar o rio juntos outra vez.
Assim o fiz. Durante muito tempo retornei e sentei-me ao lado do ancião. Era uma relação de amor. Desde a primeira vez que o vi, senti um carinho arrebatador por aquele mestre. Olhava-o com admiração gratuita, pois ainda não o conhecia suficientemente bem. Não sabia o universo de sapiência que ele tinha para me transmitir. Era simplesmente amor, desinteressado, a primeira vista.
Quase sempre ficávamos calados por muito tempo. Geralmente, no final, ele fazia algumas perguntas. Depois de uns quantos meses, notei que suas perguntas era o que me permitia tomar consciência de quão profundo havia ido na viagem interior.

Vê-se claramente nesta passagem a identificação sincera do discípulo e a naturalidade com que se estabelece do discípulo em direção ao mestre uma admiração, uma vontade de ser como ele.

É realmente como no caso de uma criança que isso se dá, puramente, sem preconceitos, aceitando a ignorância que se mostra no contato com essa outra pessoa.

Reconhece-se que, diante de si há alguém dotado de um saber digno de atenção que se pretende conquistar.

É por meio da consciência desse profundo saber e, no fim das contas, por respeito sincero que o discípulo não questiona. Ele espera, confia.

Pode-se dizer que esta relação é completamente livre. E que é livre porque se funda completamente em amor. Amor do discípulo que se reconhece no mestre e o ama desinteressadamente e, do mestre que, por amor, aceita o discípulo sincero para guiá-lo. Apresenta-se aqui uma relação sem mediação, direta, pura, que revela a ambos na contemplação do agora.

L’amour est la seule passion qui ne souffre mi passe ni avenir
“O amor é a única paixão que não admite nem passado nem futuro”

Não há uma obrigação a priori constituída para ambos, ditada, por exemplo por um estado, por uma religião, por um dever moral ou costume…

Nenhum outro homem ditou ou estabeleceu que essa relação deveria existir.

Ela nasceu apenas daqueles dois, como uma amizade, não porque deveria acontecer por algum motivo, por algo vindo de fora, mas simplesmente porque podia acontecer. E porque ambos, mestre e discípulo, movidos por sua própria vontade assim quiseram.

Esta é uma relação que não envolve servidão de nenhuma parte, mas uma parceria fundada puramente no amor e na liberdade. Esta parceria pode aparecer bem descrita da seguinte forma.

Amar não é olhar-se um ao outro, é olhar juntos na mesma direçã.
Saint-Exupéry.

Não há aqui uma relação de dependência, mas uma consonância entre ambos e a decisão de seguir juntos, em uma única direção.

Julia Rodrigues
 


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